terça-feira, 25 de março de 2014

O papel dos EUA no golpe civil-militar de 64

 O Dia que Durou 21 Anos, de Camilo Tavares, com apoio de Flávio Tavares, é um documentário imperdível e uma revisão valiosa para todos, não importa o que cada um pense sobre a questão.

A Revista Superinteressante de março traz uma ótima reportagem sobre o papel dos EUA no golpe de 64 no Brasil. Reproduzo abaixo a primeira parte da matéria e o passo a passo do golpe no Brasil e nos EUA.

Os EUA derrubaram o presidente do Brasil?

Arquivos recém-abertos revelam toda a influência dos americanos no golpe de 64. Eles bancaram os golpistas, tinham tropas prontas para intervir e seu favorito sucedeu Jango. Não é conspiração: É História.

Reportagem: Jennifer Ann Thomas/ Edição: Emiliano Urbim

John Kennedy tinha um brinquedo novo. Quando os convidados chegaram, o presidente apertou um botão escondido na lateral de sua mesa, acionando um microfone ali no Salão Oval e um gravador no porão da Casa Branca. Era a estreia de uma engenhoca secreta que registrou 260 horas de conversas sigilosas.  
Olha que coincidência: a primeira gravação é sobre o Brasil. Das 11h52 às 12h20 de 30 de julho de 1962, debateu-se o futura e a fritura do presidente João Goulart. O embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, disse que Jango estava “dando a porcaria do país de graça para os...” “...comunistas”, completou Kennedy. O assessor Richard Goodwin ressaltou: “podemos muito bem querer que os militares brasileiros tomem o poder no final do ano”. Isso quase dois anos antes do golpe de 64.

Desde 1961, com a chocante renúncia de Jânio Quadros e a conturbada posse de Jango, as reuniões de Kennedy sobre nosso país eram monotemáticas: como impedir que o Brasil se tornasse uma gigantesca Cuba? Apesar disso, Lincoln Gordon, embaixador no Rio de 1961 e 66, morreu em 2009, aos 96 anos, negando que os americanos teriam participado do golpe. Durante e após a ditadura, que foi até 1985, muitos pesquisadores brasileiros menosprezaram o papel dos americanos, tachando investigações nesse sentido de paranoia e teoria da conspiração. Mas documentos revelados nos últimos anos contam uma história diferente, que vai sendo revelada aos poucos.

Parte desse material ganhou destaque no documentário O Dia que Durou 21 Anos, da dupla de filho e pai Camillo e Flávio Tavares – autor de um grande livro sobre a luta contra o regime, Memórias do Esquecimento. O filme apresenta gravações e documentos oficiais e expõe justamente a articulação do governo americano e dos militares brasileiros contra Jango. Arquivos recém-abertos nos EUA estão mexendo até com obras definitivas: os quatro livros do jornalista Elio Gaspari serão reeditados levando em conta as gravações clandestinas de Kennedy e de seu sucessor Lyndon Johnson. E ainda há muito a ser revelado: Carlos Fico, historiador da UFRJ, estima que mesmo com a Lei de Acesso à Informação ainda não se analisou nem 20% dos arquivos dos órgãos de repressão brasileiros.

De qualquer forma, as informações disponíveis já permitem cravar: Jango caiu com um empurrão dos Estados Unidos. O governo americano instigou os militares, financiou a oposição, boicotou a economia e tinha tropas e navios prontos se fosse necessário intervir. Não foi. Em boa parte, graças ao próprio João Goulart, um presidente que até hoje desafia classificação.

Leia a íntegra da matéria na Revista Superinteressante (março/2014)

Lá e cá – os passos do golpe no Brasil e nos EUA

30 de março

22h – No Rio, Jango faz um discurso inflado: “o golpe que desejamos é o das reformas de base”. É a deixa para quem desejava outro golpe.

23h – Telegrama do secretário de Estado Dean Rusk para o embaixador americano Lincoln Gordon: “pode ser a última boa oportunidade para apoiar uma ação contra Goulart”.
31 de março

31 de março

5h – O general Olympio Mourão Filho, em Juiz de Fora (MG), aciona conspiradores do Rio. “Desencadeei uma revolução de pijama”, anotou em seu diário.

7h – Chega a Washington um telegrama dizendo que o levante começou em Juiz de Fora. A CIA confirma uma hora depois.

9h – O aeroporto de Brasília é fechado.

11h – Lincoln Gordon avida Washington que Mourão é “um oportunista”. O “dispositivo", militares encarregados de combater o golpe, fica de sobreaviso.

12h30 – A Marinha dos EUA envia uma esquadra que chegaria ao Brasil em 8 de abril. É a operação Brother Sam: 1 porta-aviões, 6 contratorpedeiros, 1 porta-helicópteros e 4 petroleiros.

13h30 – Em conversa telefônica, o presidente Johnson sabe do levante e diz: “devemos estar preparados para fazer tudo”.

15h – O prédio do Ministério da Guerra se divide: golpistas controlam do quinto ao oitavo andar, e governistas, os andares acima e abaixo.

17h – JK vai ao Palácio Laranjeiras e sugere que Jango faça uma pronunciamento conciliador.

22h – O líder das tropas paulistas, Amaury Kruel, liga para Jango e pede que ele demita seus ministros de esquerda. Jango se recusa.

22h30 – O marechal Lima Brayner recebe o adido militar americano em seu apartamento e lhe informa: “Kruel acaba de lançar um manifesto”. Vernon Walters responde: “Graças a Deus!”

23h – As tropas cariocas que enfrentariam as de Juiz de Fora aderem ao golpe.

1 de abril

Madrugada – Generais golpistas Castello Branco e Costa e Silva mudam de esconderijo várias vezes.

8h – Na Rádio Nacional se ouve que Jango recebeu empresários e divulgou nota anunciando “a fidelidade das Forças Armadas”. Tudo mentira.

11h – Jango é informado que o governo dos EUA reconheceria quem o derrubasse.

12h – Gordon avisa Washington que as forças oposicionistas estão crescendo. Jango deixa o Rio em direção a Brasília – o dispositivo falhou.

13h15 – Um encontro na Casa Branca com o presidente Johnson e seu alto escalão de política externa decide não fazer nenhuma declaração pró-golpe – isso só ajudaria Jango.

17h30 – Em teleconferência, Gordon declara a vitória da “rebelião democrática”, diz que a renúncia de Jango será seguida da posse do presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli e informa que Castello Branco dispensou apoio americano.

18h – Castello sai da clandestinidade. É recebido como novo ministro do Exército. O golpe venceu.

22h30 – Acuado em Brasília, Jango voa para Porto Alegre.

Meia-noite – A presidência é declarada vaga. Assume o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli – que já assumira quando Jango renunciou.

2 de abril

Madrugada – Em Porto Alegre, Jango se encontra com Brizola e tem crise de choro.

11h45 – Jango voa para sua fazenda em São Borja (RS), onde estava sua família.

13h – A estação principal da CIA no Brasil relata que João Goulart entrou para o exílio no Uruguai, marcando a vitória oficial do golpe de estado.


18h – Em uma teleconferência, o embaixador Lincoln Gordon comenta a ida de Jango para Montevidéu com uma saudação jubilosa: “Cheers!”

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